Orgulho – Um Remix de Orgulho e Preconceito

Orgulho, escrito por Ibi Zoboi e publicado em português pela Harper Collins Brasil (disponível aqui), é um romance jovem adulto que adapta Orgulho e Preconceito, de Jane Austen, para o Brooklyn da contemporaneidade, o Brooklyn dos imigrantes negros haitianos e dominicanos. Acompanhamos então a mudança que ocorre na vida dos Benitez quando os Darcy mudam para a casa da frente.

Claro, o maior atrativo dessa história é transformar uma obra clássica e muito querida em uma narrativa mais atual e representativa, voltada para o público jovem, e inserindo a discussão de temas como amadurecimento enquanto pessoa negra e gentrificação.

O segundo maior ponto forte é honrar as raízes dos Benitez e da protagonista, Zuri. Pelos olhos de Zuri, não vemos uma Nova Iorque só das pessoas brancas. A história agrega elementos das culturas da América Latina: a linguagem, a religiosidade, a culinária. E essa agregação não é de maneira vaga, como se a América Latina fosse um monólito. Zuri sabe de onde vem, e de onde vem seus costumes.

O storytelling é típico da literatura voltada para os jovens: rápida, dinâmica, fácil de devorar de uma vez só. O que é uma faca de dois gumes. A leitura pode desagradar leitores que não se afeiçoem muito a esse tipo de ritmo rápido. Eu particularmente tive um pouco de dificuldade com essa história, por essa razão. Sim, estou ficando velha.

Capa da obra

Julgando Orgulho enquanto adaptação de Orgulho e Preconceito, acredito que a obra desempenhou bem esse papel, ao mudar vários aspectos centrais (só ter gente branca, por exemplo) e ainda assim manter o cerne da história. Zuri, enquanto personagem, mantém o que importa de Lizzie Bennet, que é a teimosia e não saber julgar bem as pessoas. Darius — o sr. Darcy na nossa história — reteve bem a escrotice e a timidez.

Agora chegamos na parte que eu reclamo dessa obra. Mas é só um pouquinho.  

Dois pontos principais me desagradaram em Orgulho, e os dois estão interligados. Alguns “desvios” em relação a estrutura narrativa de Orgulho e Preconceito atrapalharam a história, e a discussão sobre gentrificação poderia ter sido muito melhor.

Um dos “desvios” foi, em parte, a personalidade de Darius, que se afasta da personalidade do Sr. Darcy apenas para criar uma briga desnecessária em algum ponto da história que não posso dizer qual, para não dar spoilers.

O segundo “desvio” é spoiler mesmo e vou colocar escondido.  

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O outro “desvio” é que, ao final, o Collins da história remove os Benitez do lugar onde eles moravam, o que não acontece em Orgulho e Preconceito. E isso atrapalha a discussão sobre gentrificação pois, ao fim da história, a narrativa quer dar um tom positivo a mudança dos Benitez, para fazer acontecer um final feliz digno de um romance da Jane Austen. Mas numa discussão sobre gentrificação, não acredito que o mais sábio seja colocar isso em um tom positivo.

No fim das contas, não sei se Orgulho e Preconceito seria a obra mais indicada para adaptar caso queira se discutir sobre gentrificação, mas Orgulho poderia ter trabalhado melhor o tema mesmo assim. Acredito que poderia ter sido discutido melhor como os Darcy, família rica (mas ainda negra), não é a responsável pela gentrificação daquele bairro do Brooklyn, entre outras coisas.  

Eu recomendaria a leitura mesmo assim? Sim, claro. Como sou ranzinza, tenho minhas ressalvas, mas não retira o mérito da obra de ser uma excelente adaptação de Orgulho e Preconceito e um bom livro jovem adulto.

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