Vox – 100 Palavras Por Dia

Vox, de Christina Dalcher, foi publicado aqui no Brasil pela Editora Arqueiro (disponível aqui), e entra para a categoria de distopias feministas juntinho com O Conto da Aia. Na verdade, se eu tivesse que descrever esse livro em poucas palavras (rs), diria que é O Conto da Aia para quem gosta de mais ação (e eu já falei sobre a obra aqui). 

Mas vamos entrar em detalhes: Vox é uma ficção científica que ocorre no futuro próximo, nos Estados Unidos, e, na história, as mulheres são forçadas a utilizar um controle que restringe a quantidade de palavras faladas por dia (100 palavras, na maioria dos casos), juntamente a um sem número de cerceamentos às liberdades das mulheres, como parte de um estratagema conservador e religioso.  

A escrita de Christina Dalcher é dinâmica e vívida, e a mesma coisa pode ser dita do enredo. O Conto da Aia é de natureza mais psicológica, enquanto que, em Vox, o foco maior é nos planos e ações da protagonista, Jean.

Capa da obra

Um dos pontos mais fortes da história é o reconhecimento da própria Jean em relação aos seus privilégios, e como ela foi levada por eles a não tomar atitudes enquanto ainda havia tempo e a desdenhar de quem fazia alguma coisa. Heterossexual, com educação superior e branca, quando a situação política do seu país começou a mudar para pior, ela fez pouco caso por não ser atingida, mas, inevitavelmente, a mudança veio puxar seu pé.

Esta é uma reflexão que não aconteceu de forma tão clara em O Conto da Aia, por exemplo, e, em distopias feministas, é imprescindível fazê-la.

Outra reflexão bastante importante do texto é a influência de Jean em seu filho mais velho, Steven. É algo muito comum na sociedade atual culpar a mãe por tudo, inclusive quando seus filhos se tornam machistas,esquecendo que a escola, a cultura e os meios de comunicação adquirem um poder enorme de influência ideológica conforme uma criança amadurece; Vox faz questão de deixar isso bem claro.

Agora, Vox não é um livro perfeito. A rapidez da história e a quantidade impressionante de subenredos e personagens faz com que a narrativa não se detenha muito sobre nenhum deles, e alguns pontos importantes são deixados de lado, incluindo o desfecho, que ocorre longe da vista do leitor. A história poderia ter se beneficiado de uma “enxugada” para ter mais páginas dedicando-se a certos aspectos importantes.

O ritmo rápido também faz com que vários pontos sejam resolvidos por pura coincidência.

A outra ressalva que devo a fazer no texto é a participação dos homens na história e em como são as ações dos personagens masculinos que acabam moldando o final. As personagens femininas se tornam vítimas forçadas aos bastidores do desenrolar dos eventos principais. A que se salva, claro, é Jean, mas as personagens minoritárias seguem este padrão, enquanto os personagens secundários masculinos acabam, em sua maioria, contribuindo de forma significativa para o desfecho – sem falar dos masculinos principais.

Ainda assim, Vox é uma obra extremamente importante por ser mais clara e mais simples em suas reflexões que O Conto da Aia, e por inclusive abordar outros fatores, em uma narrativa com mais adrenalina e menos terror psicológico, o que a torna bem mais acessível para leitores menos experientes,ou que só não curtam nada muito cult bacaninha. 

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