A Parábola do Semeador – Uma Distopia Provável

A Parábola do Semeador, escrita por Octavia E. Butler, recebeu sua primeira edição brasileira pela Editora Morro Branco mais cedo esse ano. É uma distopia passada entre os anos 2024 e 2028, nos Estados Unidos. Nela, andamos junto a Lauren, uma jovem mulher, na sua tarefa de criar uma fé ao meio do caos.

Dentre as distopias, essa foi a que mais se assemelhou ao que aconteceria em um futuro próximo, salvo o acontecimento de um desastre nuclear. Escrita em 1993, é chocante o nível de precisão de Octavia na hora de delinear o cenário político e natural dos Estados Unidos em seu estado caótico, não necessariamente pós-apocalíptico, pois, afinal, o apocalipse não é um degrau, e sim uma ladeira.

Esse é o parágrafo clássico onde eu reclamo sobre o fato dessa obra não ser de conhecimento geral da maneira como 1984 e Fahrenheit 451 o são. Elas são interessantes, mas são analogias muito hipotéticas. A Parábola do Semeador é de gelar a espinha com a sua verossimilhança, tal como O Conto da Aia.

O fator mais interessante da obra é, sem dúvida, o seu arco narrativo. As distopias clássicas mais populares seguem um padrão: personagem masculino adulto encontra um personagem feminino que o faz “acordar” para a situação ao redor, confusão, final triste.

Lauren é uma moça negra, uma jovem, mal uma adulta para os padrões atuais, sempre muito ciente da sua situação precária e das injustiças ao seu redor. Começa a descobrir A Semente da Terra, sua nova fé, durante a adolescência, e, conforme vai crescendo, vai espalhando sua crença para os demais, e assim modificando os seus arredores, pouco a pouco. Como ela própria diz, Deus é mudança.

Capa d’A Parábola do Semeador

Essa trajetória é interessante também, pois, vemos em Lauren a figura do Profeta. Claro que a história é contada do seu ponto de vista, e por boa parte dela, a enxergamos apenas como uma menina, amadurecendo em circunstâncias duras. Chegando mais para o fim do livro, quando A Semente da Terra começa a ganhar raízes, o leitor pode perceber a semelhança da figura de Lauren e a dos profetas religiosos.

Mas ela é uma jovem como qualquer outra, com suas inseguranças, seus medos, seus desejos, suas fraquezas, em um mundo especialmente hostil para uma moça negra como ela.

A outra questão interessante é, também, o reconhecimento do privilégio dela em certas áreas. Cresceu com comida, água, educação. Sabia manejar armas e utilizar computadores, coisas que a maioria das pessoas ao seu redor não sabiam. Sem isso, talvez Lauren nem tivesse vivido para começar a descobrir sua crença.

Minha única ressalva: mais uma vez o subenredo romântico me incomodou. No início do livro, com cerca de 15 anos, Lauren tem um namorado e já é sexualmente ativa, o que na verdade foi abordado de uma forma muito honesta e construtiva. Entretanto, lá pelas tantas, surge um outro interesse romântico, 39 anos mais velhos que ela própria.

Eu fiquei procurando no texto um motivo para o qual ele tivesse que ser tão mais velho que ela, em especial porque Lauren é muito jovem (a diferença de maturidade de uma pessoa de 18 para a de uma pessoa de 57 é grande, mesmo em cenários apocalípticos), e eu não encontrei. Questionei-me qual seria o raciocínio que levou Octavia a inserir um interesse romântico tão mais velho assim, pois nada no texto indicou a necessidade de ele ter essa idade.

Enfim.

A Parábola do Semeador é uma distopia não muito distante, tanto cronologicamente quanto figurativamente. É uma história na esperançosa sobre a força da solidariedade, do poder de aceitar a mudança, e de ser a própria mudança.

Será que a Lauren, nascida em 2009, já está aceitando discípulos?

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