A Parábola dos Talentos – O Fim de Uma Distopia

A Parábola dos Talentos é o segundo e final de livro da saga A Semente da Terra, autorada pela Octavia E. Butler e publicado no Brasil pela Editora Morro Branco (que é dona de ambos os meus rins). Já falei aqui no site sobre A Parábola do Semeador, o primeiro livro, e, naturalmente, agora é hora de falar da continuação.

Ao final d’A Parábola do Semeador, deixamos Lauren no início da fundação de uma comunidade chamada Bolota. É daí que começa A Parábola dos Talentos; Bolota nasce, cresce e, como todas as coisas, físicas e metafísicas, também morre. Mas esse não é o fim da Semente da Terra, religião fundada por Lauren – que passa a ser conhecida como Olemina –, e sim o espalhamento de suas sementes.

Um dos pontos interessantes da obra é lidar diretamente com religião e crença, enquanto muitos autores de ficção científica ignoram ou então quase não desenvolvem esse ponto sobre seus cenários fictícios. A construção da religião Semente da Terra em si é bastante única. Na vida real, é raro se ver uma religião que não promete um paraíso após a morte, ou propõe um Deus que não liga pessoalmente para os seus fiéis. O Deus de Olemina é mudança, apenas isso, e a Semente da Terra é a fé de que se pode moldá-lo.

Capa da obra

Eu quase me converti lendo a saga, o que é um sintoma da construção excelente não só da religião em si, mas também da personagem Lauren. É estabelecido pela narrativa que ela é bastante persuasiva; de fato, nem o leitor escapa disso.

Uma consequência desses dois aspectos da obra é que Lauren consegue moldar o caos não pela violência, e sim pela cooperação mútua, fazendo amizades, construindo laços e comunidades. O segundo livro da saga Semente da Terra representa o fim do pesadelo.

E tudo isso sem condenar o uso de violência em defesa própria.

Um dos meus problemas maiores com sagas distópicas populares, como Jogos Vorazes, é justamente a moral higienista de que qualquer uso de violência é reprovável; que as pessoas oprimidas forçadas a se defender de maneira violenta irão se tornar opressoras depois. Octavia navega muito bem esse tema delicado: violência não é a única resposta para tudo, entretanto não se pode condenar uma vítima por se proteger por quaisquer meios necessários.

Também fiquei bastante satisfeita de nesse livro receber a explicação para uma pergunta do primeiro: por que raios o interesse romântico da Lauren – de DEZOITO anos – tem cinquenta e poucos? É dada uma ênfase grande para essa faceta do casal, e sim, tem uma razão (a qual não posso divulgar nesta resenha).

Por sinal, tal como Kindred, a obra constrói uma relação amorosa bastante real. Eles se amam, porém possuem suas desavenças, uma parte delas causadas pelo machismo do parceiro de Olemina.

A estrutura da narrativa é bastante única. A Parábola dos Talentos é a busca da filha de Lauren pela história de sua mãe, portanto temos pontos de vista variados, que levantam vários questionamentos sobre as personagens e o cenário sem fornecer, necessariamente, respostas prontas.

E, como sempre, eu tenho uma ressalva: ao contrário do primeiro livro da saga, este finalmente traz alguma representatividade LGBT, porém cai na armadilha der todos os personagens LGBT sofrerem fins trágicos. Seria interessante ter visto algum personagem LGBT terminar vivo e feliz…

Para fechar essa resenha, a leitura de A Parábola dos Talentos (assim como de A Parábola do Semeador) é uma brisa fresca e bem-vinda ao gênero das distopias.

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