As Boas Maneiras – O Lobisomem, Reimaginado

As Boas Maneiras é um filme de horror fantástico, estrelado por Marjorie Estiano, Isabél Zuaa e Eduardo Gomes. Numa breve sinopse, a trama gira em torno do que acontece após Ana (interpretada pela Marjorie) contratar Clara (na pele de Isabél) para ser empregada e futura babá de seu bebê, fruto de uma gravidez misteriosa.

Queria não estragar nada, mas preciso dar alguns spoilers para explanar minha opinião sobre o filme.

Sim, Ana e Clara se relacionam, e embora eu seja a favor de mulheres se beijando em todas as mídias possíveis, devo confessar que a maneira como o relacionamento foi tratado durante o filme me deixou incomodada.

As Boas Maneiras revive o tropo de uma pessoa branca e abastada se relacionar com um empregado ou empregada negro: o fato de serem duas mulheres não alivia muito a barra da dinâmica da relação, em especial considerando que Clara estava endividada, precisando do dinheiro e não podia simplesmente ir embora. A narrativa cita isso, sem jamais abordar a pressão que isso colocaria em Clara para não recusar nada que Ana lhe pedisse.

Pior ainda, Ana continua sendo patroa de Clara, mesmo após o início da relação.

O outro tropo utilizado pelo filme é o da gravidez monstruosa. Explicando sem dar (muito) spoiler, a gravidez de Ana lhe traz consequências aterradoras, algo interessante levando em consideração que a gravidez é resultado de um caso extraconjugal. Se Clara não julga Ana pela sua conduta, o enredo a pune severamente por isso.

A aplicação desses tropos constitui apenas uma fração do enredo, a construção do pano de fundo para o que acontece ao filho de Ana, o Joel: quem assistiu o trailer deve ter entendido que o bebê é um lobisomem.

As Boas Maneiras, é, na verdade, sobre Clara e a maternidade adotiva de uma criança no mínimo complicada. Ana concentra em si todos os aspectos problemáticos, portanto o foco em Clara e em Joel salva a pátria para o filme.

O outro ponto positivo é o puro horror mesclado com uma aura fantasiosa, digno dos contos de fada dos livros infantis. O horror está nas cenas extremamente gráficas, e a fantasia mora nos pequenos detalhes e nas cenas musicais, uma antítese que serve para destacar os dois aspectos da narrativa: o caráter infantil de histórias de lobisomem, e o terror que se encerra por trás desse personagem.

Por fim, acabei curtindo muito o filme pela eterna sensação de “eu não ACREDITO que isso vai acontecer” de todo o enredo. O roteiro não hesita em chocar, tomar decisões arriscadas, para bem ou para o mal, o que torna As Boas Maneiras um filme marcante.

Então dá para salvar alguma coisa, em especial por abordar a questão da maternidade adotiva e da afetividade entre mulheres lésbicas e bissexuais, incluindo na discussão uma mulher negra retinta (o colorismo não brinca, meus amigos), mesmo essa afetividade tendo seus pontos discutíveis.

Para quem se interessar, eu assisti no Cinema do Dragão do Mar, em Fortaleza. A inteira é 14, e a meia é 7 reais.

E quem quiser tomar um bom spoiler, pode ler o parágrafo abaixo:

[spoiler]As Boas Maneiras foi bem-sucedido na missão de renovar uma figura já tão batida no imaginário popular e na cultura pop. O fato do lobisomem ser uma criança – e ainda assim ser um monstro violento durante a lua cheia, gerando uma contagem de corpos – foi uma excelente reviravolta no enredo.[/spoiler]

O que o amor de mãe não faz, hein?

Fonte do header: Capa do álbum da trilha sonora (https://open.spotify.com/album/3mf518dDXjYKHGlxc4Nx7H)

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