Circe – Bruxa, Deusa, Mulher

Circe, escrito pela Madeline Miller e lançado no Brasil pela Planeta Livros (disponível para venda aqui) recebeu o prêmio de melhor fantasia no Goodreads Awards de 2018, e não foi por menos.

Pode-se dizer que o livro é uma espécie de fanfiction da mitologia grega, focada, como dá para adivinhar pelo título, em Circe. Em Odisseia, escrita por Homero, Circe é uma feiticeira, filha de Hélio, deus do Sol, vivendo na ilha de Eana. Ela transforma homens em porcos e os manda para o chiqueiro; isto é, até a intervenção de Odisseu.

Ela também é isso no romance de Madeline Miller. Isso, e muito mais. Acompanhamos a feiticeira desde o seu nascimento, em sua infância de preterimento nos salões de seu pai, na descoberta de sua magia, em suas milhares de decepções durante a vida, as parcas alegrias e, por fim, seu final feliz.

Capa da obra

É bastante conveniente que a personagem Circe e suas experiências sejam o ponto mais forte da obra. Enquanto leitora mulher, não pude deixar de me identificar com os sofrimentos e percalços da vida da protagonista; mas Madeline não pretendeu construir uma mártir, ou uma santa, tampouco uma vilã esperando Odisseu para redimi-la. Circe é egoísta e cruel em algumas partes, empática e generosa em outras, e em todos os momentos da narrativa é possível compreendê-la bem, se não simpatizar com a personagem (o que eu fiz 100% do tempo).

Outro ponto interessante do livro é ter uma protagonista mãe e ter a maternidade como um dos aspectos chave da narrativa – sem, no entanto, resumir o personagem a somente isto.

E, claro, as reinterpretações e ressignificações de alguns dos mitos gregos mais conhecidos não poderia deixar de ser um atrativo, dos mais arriscados inclusive. Madeline insere de maneira bem atada novos personagens, e dá seu toque pessoal em personagens já existentes, como no caso da própria Circe. Facilmente isso poderia se tornar forçado ou mal construído.

O enredo tem um ritmo bastante rápido, o que é uma boa reflexão de uma das características mais centrais da protagonista: a imortalidade. Ainda assim todas as voltas, curvas, nós e desenvolvimentos dentro do enredo são bem elaborados, e o ritmo desacelera em pontos da narrativa que o tempo de fato se arrasta para Circe.

Existem, porém, duas exceções.

Vou tentar não dar spoilers.

Em geral, a autora utiliza de maneira inteligente as palavras, entretanto logo no começo, e ao longo da obra também, gasta-se muitas páginas em um certo personagem de quase nenhuma consequência na história.

Mais para o final, um elemento de vital importância para o andamento do enredo é introduzido apenas quando se torna importante; para isso, quebra-se a linearidade da história sem motivo algum, pois essa introdução poderia ser ocorrido no começo (construindo assim algo conhecido como Chekov’s Gun), já que, cronologicamente, a cena onde o elemento aparece pela primeira vez se passa no início.

As descrições da obra são bastante vívidas e até mesmo poéticas, só que existem descritivos que se repetem. Tome uma dose de cachaça toda vez que você ler “fruta madura”, e pare no hospital mais próximo tomando soro na veia.

Concluindo: Circe é um livro excelentemente construído para quem quer ler algo divertido – a seu modo macabro –, cheio de referências históricas, com protagonismo feminino e personagens interessantes de ambos os gêneros. Tenho algumas ressalvas para com a obra, claro, mas nada que tenha tirado minha diversão durante a leitura, e nem diminuído minha vontade de sair recomendando para as pessoas.

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