Saindo da Zona #5 – Clássicos Desconstruídos

Apesar de eu já ter listado motivos para não ler clássicos nesse mesmo site, é impossível negar a necessidade de se ler pelo menos alguns deles para uma bagagem literária mais completa, e não só aqueles que se encaixam dentro dos gêneros especulativos.

E espero ter ficado bastante claro que a autora deste site adora uma crítica social até mesmo em livros mais antigos.

Sem mais delongas:

  • A Letra Escarlate, de Nathaniel Hawtorne

Publicado nos Estados Unidos em 1850 (disponível para leitores no ano de 2019 aqui), este clássico narra a história de uma jovem mulher condenada ao ostracismo por gerar uma criança, resultado de um adultério; ela se mudou sozinha para a Boston do século dezessete, antes de seu marido, e entrementes os dois anos passados até a chegada dele, ela engravida e dá luz a uma menina. Como punição por tal feito, os ideais da época ditam que ela deve costurar um A vermelho em todas as suas roupas – daí o título da obra.

Peguei para ler por causa desse filme mas tem pouca coisa a ver

Vale notar que, nesse meio tempo, o tal marido foi dado como morto.

A Letra Escarlate é uma história sobre culpa (ou a falta dela) e vingança. A protagonista, Hester Prynne, não cometeu adultério sozinha, e o mistério que permeia a narrativa é justamente quem é o pai da pequena Pearl, pois Hester se recusa a falar.

O que mais me chamou a atenção neste livro é o tom gentil pelo o qual a narrativa trata as ações de Hester. Ela é uma mulher jovem, fadada a um casamento sem amor, sozinha numa cidade sem previsões de reencontrar com seu marido (presumido morto). Qual é, de fato, sua culpa?

A protagonista, ao final, não é a única punida. O misterioso amante silencia, e sofre as consequências de sua dupla culpa: do ato em si, e a de não assumir sua parte, tampouco sua responsabilidade, enquanto pai de Pearl. A sede do marido por vingança o destrói.

Dá para notar, por esse breve sumário, que o texto apresenta críticas interessantes sobre a sociedade puritana da época, reflexões essas ainda muito válidas para a sociedade atual.

  • O Sol É Para Todos, por Harper Lee

A edição que li é do ano de 2006 (essa aqui), traduzida por José Olympio, mas o livro foi originalmente lançado em 1960. Do ponto de vista da filha, acompanhamos a epopeia de Atticus Finch, um advogado, ao defender um homem negro da justiça de uma acusação falsa de estupro por parte de uma jovem mulher branca, em uma época onde homens negros eram sumariamente culpados.

Capa de “O Sol é Para Todos”

E, não, a história não se passa em 2019.

O Sol é Para Todos uma leitura interessante por trazer à baila um tema em geral negligenciado pelo feminismo mainstream: raça. Acusações falsas de estupro são muito raras, mas ao menos no contexto dos Estados Unidos, historicamente mulheres brancas tem falsamente acusado homens negros de estupro e/ou abuso sexual. Elas possuíram – e possuem – papel fundamental na manutenção da supremacia branca.

Para além disso, claro, a moral da história de O Sol É Para Todos é que discriminar por causa da cor de pele é ruim, o que é um ponto excelente, ainda mais porque é atrelado ao segundo melhor ponto da história: a paternidade de Atticus Finch.

Atticus Finch é um excelente pai até para os padrões de hoje, imagina para os padrões da época. Sua relação com sua filhinha – a personagem do ponto de vista da narrativa – é de extremo respeito, amor e afeto; e a maior lição que ele passa a sua cria é o peso e a crueldade do racismo.

Se eu tivesse que ter um filho com qualquer personagem fictício, seria com ele.

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