Despertar – Contatos do Sexagésimo Nono Grau

Despertar é uma obra de ficção científica da musa Octavia E. Butler, trazida para o Brasil pela Editora Morro Branco (disponível na Amazon), e é o primeiro volume da série Xenogênese. Neste livro, acompanhamos a odisseia de Lilith ao despertar (ba dum tss) e encontrar-se prisioneira de um povo extraterrestre, os Oankali, 250 anos após um apocalipse radioativo advindo de uma guerra.

O primeiro fator digno de nota nesse livro é a melhora palpável na escrita da Octavia. A primeira edição de Kindred foi lançada em 1979, e Despertar é de 1987, quase dez anos depois. A escrita em Kindred não deixa a desejar (falei sobre essa obra aqui), mas é bastante simples, e em Despertar a narrativa é muito mais eloquente.

A eloquência das descrições e da escrita é essencial para o bom andamento da história, pois os Oankali fogem bastante dos tropos e clichês conhecidos para aliens nas obras mais populares de ficção científica, e sua tecnologia também. Notei que a ficção científica escrita por autoras negras puxa muito mais para a biologia do que para informática, e introduz conceitos pouco explorados pelas obras mais mainstream, portanto as descrições mais detalhadas são bem-vindas.

Capa da obra

A faceta mais interessante de Despertar é como a narrativa nos leva a questionar e pensar sobre o conceito de consentimento. Lilith é vítima dos Oankali, mas eles não utilizam técnicas de coerção e manipulação violentas. Ao longo da história, ela toma diversas decisões que entende terem sido manipuladas por seus captores, incluindo dentro das esferas sexual e reprodutiva; e também passa por outras situações onde seu direito de escolha é revogado.

A missão desses seres extraterrestres, como dito pelos próprios logo no começo da história, é salvar a espécie humana da extinção e recuperar o planeta Terra, e eles são capazes de conectar-se às mentes de Lilith e dos demais humanos – gerando inclusive cenas de sexo bastante curiosas, estejam avisados – mas não só no sentido literal da palavra, o que em várias ocasiões significa que Lilith é forçada a fazer coisas que vocalizou não querer, apenas porque o Oankali em questão julgou que sua recusa era apenas da boca para fora.

Os Oankali são vilões ou são heróis? Suas motivações para agirem da forma como agem são válidas? Suas intenções de salvar o planeta Terra e a humanidade lhe dão direito de passar por cima da autonomia dos seres humanos?

Despertar não tem a mínima pretensão de responder essas questões. De toda maneira, não pareceu ter sido a intenção da Octavia E. Butler resolver esses problemas dentro da sua narrativa, e sim expor de maneira hipotética a problemática da vida real em relação à consentimento (pois fora da ficção ninguém pode se conectar à mente do outro para realmente saber se o não está sendo dito da boca para fora, por exemplo).

Quem sabe o resto da série Xenogênese trará mais alguns esclarecimentos, mas, por enquanto, o leitor está no escuro.

Despertar é uma história que incomoda ao fazer várias perguntas sem suprir nenhuma resposta, por apresentar uma espécie extraterrestre que não é nem uma colonizadora violenta, mas também não é uma espécie com intenções necessariamente amigáveis.  

Não diria que é uma leitura divertida. Intrigante talvez seja um termo melhor, e com certeza necessária para quem curte e escreve dentro do gênero da ficção científica.

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