A Tal da Representatividade Feminina

A palavra representatividade se tornou uma palavra muito lida por mim nos últimos anos ao (tentar) me inserir no mercado literário e procurar contato com criadoras de conteúdo de qualquer espécie focadas nos gêneros especulativos.

Em especial, a tal representatividade feminina.

Como diria Zeca Pagodinho: mal vi, quase nunca ouço falar.

Já reclamei muito nesse site dos autores brancos cis hétero, chegou a vez de reclamar sobre o equivalente feminino desse grupo e sua ignorância sobre o conceito de interseccionalidade e a existência de outros eixos de opressão além do machismo.

Vou contar um segredo. Mulheres brancas cis hétero magras saudáveis são uma parcela minúscula de todas as mulheres que existem por aí. No momento, dentro e fora dos gêneros especulativos, é essa fatia fina de todas as mulheres que domina o discurso sobre narrativas femininas.

Aqui vai outro segredo: uma boa parte das obras mais ofensivas que li, em especial romances, foi escrita por esse subgrupo de mulheres. Elas não estão isentas de serem racistas, ou homofóbicas, ou transfóbicas ou gordofóbicas e nem mesmo machistas… A lista é bem longa.

Exemplo de representatividade: uma bronzeada, uma loira e uma ruiva

Sim, houve um progresso apreciável no debate sobre representatividade na cultura geek (a maior consumidora de mídias de fantasia, FC e horror) ao longo dos últimos anos, com a ressurgência de mulheres (brancas, cis, blá blá blá) como protagonistas de filmes e livros e séries. E isso, em parte, é excelente!

Porém, cada pôster com uma super-heroína branca é comemorado como uma vitória da representatividade, sem a percepção que essa não é uma vitória que de fato engloba todas as mulheres, e muito menos todas as vozes e rostos deixados de fora, muitos dos quais pertencem à homens e pessoas não-binárias.

Por exemplo, nem todos os homens são bem representados. Quantos personagens masculinos bissexuais você viu por aí? Bem, se você acompanha meu site, viu semana retrasada. Fora isso, quantos? E homens negros? Asiáticos? Trans? Deficientes?

Não só representatividade é importante. Interseccionalidade também o é.

A narrativa de uma mulher negra não é a mesma de uma mulher branca. Um homem negro não é privilegiado e representado na mídia como é o homem branco.

Transformar o debate da representatividade feminina em um conflito homens X mulheres como se todas as mulheres se beneficiassem de um discurso único (em geral pautado na feminilidade branca cis hétero), e como se todos os homens fossem igualmente privilegiados, é um grande desserviço. O problema não acaba com a inserção de mulheres padrão no mercado, sendo elas personagens ou criadoras de conteúdo.

Representatividade feminina é, em verdade, um termo muito amplo e que deveria ser utilizado com mais cautela. Uma obra cujas personagens femininas são todas padrão – fora o fato de serem mulheres – não conta muito nesse sentido. A experiência feminina é vasta demais para apenas uma experiência entre todas, em especial a mais privilegiada, contar como vitória para todas nós.

Nota da Editora: Mas nada temam, o próximo post vai ser uma resenha de uma obra fantástica (tanto de gênero quanto de qualidade) que acredito ser de fato bastante representativa fora dos eixos mais lugar comum das narrativas femininas. AGUARDEM.

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