O Tal Do Narrador Limitado Em Terceira Pessoa

Primeiro, o disclaimer de sempre: escrevo esse post baseada em informações que aprendi e experiências que acumulei ao longo do tempo. Claro, não aprendi tudo o que há para se aprender e não tenho educação formal. Proceda com cautela.

A escolha do narrador é uma das primeiras decisões que um autor deve tomar ao sentar a bunda na cadeira para escrever. Existem diversos tipos de narrador com mecânicas variadas, cada um com seus pontos fortes e fracos. Por hoje, o foco é no narrador limitado em terceira pessoa.

Este narrador é um que observei ser utilizado com bastante frequência agora que ninguém aguenta mais narração em primeira pessoa. O ponto de vista limitado oferece a vantagem de uma narrativa mais intimista sem soar como um romance de vampiros para adolescentes (muita gente acha isso ruim, pelo visto), então é o novo queridinho dos autores… Que, por vezes, não sabem usá-lo.

A característica crucial do narrador limitado em terceira pessoa é que ele é um ponto de vista parcial. O fato de ser em terceira pessoa dá uma ideia de distanciamento, porém, para esse narrador, é só impressão mesmo; ele tem acesso a cabeça de um personagem apenas. E isso traz implicações interessantes.

A primeira delas é: o narrador não tem acesso a informações que o personagem do ponto de vista não sabe. Em alguns casos, o narrador não é totalmente limitado e possui acesso a informações mais gerais, como data e hora, mas jamais terá acesso a informações específicas. Ou seja, infodumping de informação sobre o cenário no ponto de vista de um personagem que não tem como saber de tudo aquilo – ou de fato não sabe – é quebra da mecânica do narrador e um exemplo duplo de péssima escrita.

Essa característica pode ser utilizada para demonstrar caso o personagem do ponto de vista conheça muito sobre um assunto, ou nada de outro. Serve também para mostrar processo de aprendizagem, com o narrador sendo capaz de passar mais informações ao leitor conforme a narrativa avança.

A segunda implicação digna de nota é que a narrativa é influenciada pela forma como o personagem pensa, pois, afinal, só os pensamentos deste personagem estão disponíveis para o narrador. Essa influência acontece de diversas formas: na descrição dos demais personagens, na interpretação dos sentimentos desses outros personagens e do que acontece ao redor e, inclusive, na própria escrita.

Tal mecânica pode ser extremamente útil na construção de personagens. Mesmo a forma como se narra auxilia no processo de caracterização: o personagem é estoico? Emotivo? Distraído? Que coisas passam despercebidas por ele? O que ele nota? Como ele percebe os outros personagens?

Um personagem estoico terá pensamentos curtos e secos. Um personagem pintor pode passar mais tempo observando as cores de uma paisagem, enquanto um músico prestará atenção na melodia dos pássaros. Se um personagem desgosta de outro, pode vê-lo com pior aparência, ou então, ver com bons olhos uma aparência horrenda por pura afeição.

A própria voz do texto dirá algo sobre o personagem para o leitor. Frases enroladas podem denotar um personagem bêbado, e frases melódicas, bem ritmadas, podem demonstrar ao leitor que o personagem tem o hábito de escrever.

Por último, o narrador limitado em terceira pessoa vê apenas com um par de olhos. O que está fora do limite de visão e de percepção do personagem de ponto de vista deve também estar fora da narrativa, assim como o que os outros personagens veem e percebem.

Ou seja: narrar João vendo Maria observar um objeto é ok. Narrar Maria observando um objeto pelos olhos dela, numa cena no ponto de vista de João, é pulada de cerca. E eu sei que a não-monogamia está em voga, mas é de bom tom se ater a apenas uma mecânica de narrador durante uma cena.  

Resumindo, o narrador limitado em terceira pessoa é bastante interessante, e tal como todas as coisas interessantes, pode ser bem ou mal utilizado. A regra do rolê é respeitar a mecânica e saber como empregá-la.

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