Saindo da Zona #8 – Sobre Racismo

Considerando toda a situação política nacional e mundial esses dias, seria muito justo fazer um post recomendando livros de ficção literária, escritos por autoras racializadas, que trazem como um dos temas centrais o racismo.

  • O Olho Mais Azul, da Toni Morrison (disponível aqui)

O Olho Mais Azul se passa em Ohio, no fim da Grande Depressão. Nele acompanhamos Claudia MacTeer, e o que acontece depois da sua família hospedar uma menina chamada Pecola, cujo pai ameaçou incendiar a casa onde viviam. A narrativa explora não só o que acontece a Claudia e a Pecola, mas também a vida e as circunstâncias dos outros personagens, explorando assim os acontecimentos da história sob diferentes pontos de vista.

A questão central do enredo é como o racismo e o colorismo afeta meninas (e em modo mais abrangente, mulheres) negras da pele escura. Os pontos de vista da Claudia e a Pecola se contrapõem; Claudia não é afetada por isso de maneira tão direta quanto Pecola é, entretanto ambas vivem no mesmo ambiente e sob o mesmo tipo de pressão.

Ainda que a discussão prevalente sobre colorismo não se traduza diretamente para o Brasil de 2020, paralelos importantes podem ser percebidos durante a trama.

Ao contrário de Amada, O Olho Mais Azul puxa mais para a tragédia do que para o horror, mas em ambas as narrativas, a prosa é lírica, bem construída, cheia de imagens e símbolos: ou seja, o que haveria de se esperar de uma ganhadora do Nobel de literatura.

Capa de “Olhos D’Água”
  • Olhos D’Água, da Conceição Evaristo (disponível aqui)

Olhos D’Água é uma coletânea de contos protagonizados, na maioria das vezes, por mulheres negras, e primariamente situados nas favelas de Minas Gerais. Conceição escreve sobre liberdade reprodutiva, pobreza, prostituição, morte, violência policial contra corpos negros, e como se pode imaginar, os contos tendem ao trágico, são agridoces quando muito.

Conceição Evaristo com a sua prosa poética então tece as vidas, as dificuldades e as experiências de mulheres e homens negros, em contos curtinhos e potentes, indo de personagens como DiLixão, uma mulher moribunda em situação de rua, até personagens como Cida, uma mulher negra que ascendeu socialmente e nunca parou para ver o mar, apesar de caminhar na beira da praia todos os dias.

Um dos pontos mais interessantes para mim — e que eu não estava esperando — é a forma como alguns contos exploram a questão da homoafetividade, algo que raramente se vê em livros de ficção literária que discutem racismo em suas linhas.

  • Pequenos Incêndios Por Toda A Parte, da Celeste Ng (disponível aqui)

Pequenos Incêndios Por Toda A Parte acompanha os conflitos que acontecem na vida pacata de uma vizinhança após a chegada de Mia, uma mulher negra, mãe solteira, que vai trabalhar como empregada na casa de Elena Richardson, uma personagem branca que representa o suprassumo da classe média alta. Os conflitos se acirram após a adoção de uma bebê chinesa por um casal branco — a bebê fora tomada de sua mãe, que na época estava em uma situação fragilizada.

A narrativa vai caminhando entre presente e passado, desenrolando os dramas da vida do subúrbio e o passado da vida de Mia, uma artista prodigiosa que vive mudando de lugar para lugar com a filha a tiracolo.

A construção de Pequenos Incêndios Por Toda A Parte se assemelha muito a um thriller porque, ao final das contas, vamos descobrindo as circunstâncias que culminaram em um crime, um incêndio que destruiu a casa da Elena Richardson.

O ponto mais interessante da história é como ela discute a questão do racismo benevolente, que não é menos racismo, apesar das supostas boas intenções, e como pessoas brancas de classe média para classe média alta se sentem no direito de ter certas coisas, ou de agir de certas formas; e como também não percebem que outros podem ter calos que eles não tem.

Como um adendo final para este post, as vozes de autores racializados não devem ser valorizadas só quando eles sangram na página, ou seja, só quando eles falam de racismo e das dificuldades inerentes a ser racializado numa sociedade racista, apesar de ser, sim, importante ler esse tipo de literatura.

Digue