Representando O Nordeste (Direito)

Esse post não é sobre sertãopunk, embora seja, sim, um pouco sobre sertãopunk. Depois de algum tempo no rolê percebi alguns problemas que se repetem de uma maneira geral na hora de representar o Nordeste em obras de ficção especulativa e vou falar sobre o que fazer, e o que não fazer, na hora de escrever sobre a região.

Com o disclaimer, claro, que não sou dona absoluta da verdade, apesar de gostar de pensar que eu sou. Mas eu sou cearense e leitora crítica, então a minha opinião serve de alguma coisa, né.

                O Que Fazer

A primeira coisa a se fazer é se perguntar: minha história realmente precisa ser sobre cangaço? Existem histórias passadas no Nordeste que giram em torno do cangaço, como Cangaço Overdrive (previamente resenhada nesse site porque curti bastante), que tem algum sentido de ser assim. Mas nem toda história ambientada na região precisa ser sobre cangaço, ou sobre seca, ou sobre miséria. Querendo ou não, esse é um estereótipo muito forte em relação a narrativas nordestinas e dependendo da região e época da narrativa não tem sentido nenhum colocar cangaço no meio.

A segunda é pesquisar pesquisar pesquisar. Mas pesquisar de verdade. O ensino sobre a história dos nove estados nordestinos é muito incompleto, então mesmo o livro de história do ensino médio pode não ser uma boa fonte de pesquisa. O passado do Nordeste é cheio de acontecimentos que vão além do cangaço, seca e fome.

Muitas políticas de vanguarda nasceram aqui (vide a Revolta dos Jangadeiros). O primeiro romance fantástico brasileiro é de uma cearense. A primeira romancista negra do Brasil foi maranhense. A primeira faculdade de medicina brasileira era em Salvador.

Para obras futuristas e contemporâneas, é necessário pesquisar a geografia e cultura da região onde a história vai se passar. Como já falei em outras ocasiões, não faz sentido falar sobre o presente ou prever o futuro sem entender o presente. Conhecer uma versão estereotipada e incompleta do passado e querer prever em cima disso não vai dar certo, assim como ignorar a urbanização e industrialização do Nordeste para retratar o presente.

Fazer leitura sensível é uma boa, mas leitura sensível mesmo, e não pedir para o coleguinha nordestino passar raiva com a sua obra de graça. Pague, pelo menos.

                O que NÃO fazer

Tratar o Nordeste como um monólito. São nove estados, um caralhau de cidade, uma porrada de culturas e modos de falar diferentes, não sei quantos biomas. Não existe UM sotaque nordestino, não existe UMA cultura nordestina. Não tem como usar o Nordeste como um pano de fundo genérico para a história e achar que vai colar. Talvez cole, porque tem gente sem noção no mundo, mas certo não vai estar. E se você é nordestino e mora num estado, não adianta assumir que vai ser tudo igual em outro estado. Ceará é diferente da Bahia que é diferente do Piauí que é diferente do Maranhão.

Cuidado com os estereótipos relacionados a gente nordestina, mesmo que pareçam positivos. Tô de olho nesses baianos relaxados e engraçados, viu?

                Por último, uma reflexão

Não existe representatividade regional sem material feito pelas pessoas da região. Representatividade em primeiro lugar deveria ser não representar no papel, e sim passar o microfone, deixar a gente falar.

Caso você que esteja lendo não seja nordestino, quantos autores nordestinos você leu? Quantos você divulga? Quantos você acompanha o trabalho? Quantos você chama para participar dos seus projetos?

Se a resposta para essa pergunta for quase nenhum (ou, deus me dibre, NENHUM), então você já sabe por onde começar a representar o Nordeste de um jeito que preste.

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