Changeling – Fantasia, paternidade e Nova York

Changeling é um romance fantástico escrito por Victor LaValle, traduzido por Petê Rissatti, e publicado no Brasil pela Editora Morro Branco no ano de 2019 (disponível aqui). Victor LaValle escreveu também Balada do Black Tom, outra publicação da Morro Branco que já resenhei nesse site. Fiquei positivamente impressionada com a capacidade de LaValle de ressignificar o horror cósmico, portanto fiquei bastante interessada em ler Changeling.

O protagonista desse romance é Apollo Kagwa, um livreiro de Nova York que embarca na aventura de ter um filho junto com a esposa Emma e, devido às complicações inerentes a isso, Apollo termina por conhecer a cidade onde mora sob um novo olhar.

Capa da obra

Changeling é interessante por duas razões. A primeira delas é que o livro tem duas partes bastante distintas. Nas primeiras páginas, sabemos tudo sobre a vida de Apollo Kagwa, começando pela história da sua mãe, seu nascimento e infância, e continuando até a idade adulta, quando ele conhece Emma. Este arco foca, naturalmente, na construção e conflitos de Apollo, sendo um menino negro crescendo nos Estados Unidos. Durante o segundo arco, o enredo toma a dianteira na história: nasce o filhinho de Apollo e Emma começa a sofrer do que só podia ser depressão pós-parto.

Apesar do ritmo mais lento do começo do romance, essa exploração íntima do personagem traz à tona a discussão de certos temas e problemáticas que serão importantes durante a parte mais focada no enredo. Além do mais, quando os eventos começam a se desenrolar, estamos bastante familiarizados com Apollo, suas qualidades e falhas, e seu jeito de pensar.

Um dos aspectos que achei mais marcantes da história é como Apollo não é romantizado enquanto pai pela narrativa. Ele tenta dar o máximo de si, claro que tenta, mas é homem e pisa na bola com Emma, tanto no papel de pai, quanto no papel de marido. No entanto, sem ser de um jeito imperdoável. A jornada de Apollo é a jornada de se tornar melhor nas duas funções que desempenha.  

Changeling também toca em temas como imigração, exposição de filhos na internet, como as expectativas da paternidade mudaram com os tempos, mas sem cometer o erro do discurso panfletário ou lição de moral. As situações construídas pelos personagens e enredos levantam essas discussões de maneira natural e bem amarrada à história.

Por último, curti bastante a pegada pendendo mais para o realismo mágico. A narrativa possui enredo e fantasia, de um jeito não necessariamente sutil, mas menos “organizado” como tendem ser as histórias de fantasia urbana. As coisas vão acontecendo, nem tudo é explicado bem ao leitor, resta a ele observar e acompanhar: é um jeito interessante de abordar magia em uma história de fantasia.

Apesar de ter gostado de Changeling, aviso aos navegantes: a primeira parte do romance é bem lenta e não tem muito de fantástico. Os apreciadores de narrativas mais rápidas, centralizadas no enredo, podem ter dificuldade de seguir com a leitura.

Fora isso, não tenho ressalvas a fazer em relação ao romance, e espero que a Editora Morro Branco traga mais obras do Victor LaValle para o Brasil.

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