A Balada do Black Tom – Lovecraft, Pelo Olhar De Um Homem Negro

A Balada do Black Tom é uma noveleta escrita por Victor Lavalle, publicado aqui no Brasil pela Editora Morro Branco (disponível aqui). A obra é inspirada no conto O Horror de Red Hook, escrito, claro, por H.P. Lovecraft, um conto notório por ser um dos mais racistas de seu repertório, incluído na íntegra ao final do livro.

A ficção lovecraftiana, em geral, não é tão conhecida pelo seu racismo quanto deveria ser. Lovecraft é um escritor aclamado em especial pelo mythos de suas histórias, e acredito que seus leitores tem uma ideia vaga que ele seja racista, mas tenho minhas dúvidas se há uma compreensão generalizada do quanto. E também há um intenso debate em relação a que postura tomar diante dessa questão.

Bem, Victor Lavalle responde à pergunta muito bem em sua história: tira-se o ruim, deixando apenas o bom. A noveleta, em verdade, se classifica como uma fanfic, ressignificando O Horror de Red Hook. A história deixa de ser sobre como as etnias não brancas vão destruir o mundo com sua podridão, e passa a abordar temas como violência policial, estereótipos racistas e desigualdade no local de trabalho.

A Balada do Black Tom ainda acompanha o detetive Malone em sua busca pelo arcano, mas adiciona um protagonista: Thomas Tester, um trambiqueiro que se vê envolvido em questões cosmogônicas em sua busca por subsistência.

Capa da obra

Dessa forma, Victor mantém e ressignifica um aspecto central de O Horror de Red Hook. H.P. Lovecraft sempre utiliza massas indefinidas de pessoas não-brancas como agentes do caos e do ressurgimento dos deuses antigos, capazes de destruir a sociedade; essa característica permanece, mas vindo de um lugar de compreensão e não de ódio.

A obra se passa em Nova York, em 1924. A comunidade imigrante de cor – e é interessante como a história frisa a diferença de tratamento dos imigrantes brancos e dos asiáticos, latinos e negros – é o agente do caos do enredo: só que por falta de opções em uma sociedade que almeja utilizar seus corpos para trabalho barato e depois descartá-los. O próprio Thomas Tester se volta para trabalhos escusos e o arcano por essa mesma razão.

Com isso, a narrativa tem uma dose dupla de horror. O fantástico dos monstros lovecraftianos, e o real, sentido na pele por pessoas negras em uma sociedade racista. Medo dos policiais, de encontrar a morte ao andar só em uma vizinhança branca, de morrer de fome por não conseguir trabalho.

O resultado disso é que a história eleva a obra de H.P. Lovecraft ao criticá-la, e não só por acrescentar camadas extras de horror. A escrita de Lovecraft deixa a desejar no aspecto de imersão, e Victor Lavalle faz questão de corrigir isso ao se demorar mais para descrever os eventos e de fato mostrar os acontecidos – por isso o conto se transformou em uma noveleta.

Em suma, A Balada do Black Tom é uma excelente obra em especial para quem não curte H.P. Lovecraft. Tem todo o mythos, todos os elementos de horror, com uma escrita mais agradável e uma ressignificação necessária dos temas abordados pelo autor.

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