Amada, por Toni Morrison

Amada, escrito pela Toni Morisson e publicado originalmente em 1987 (a Companhia das Letras trouxe a obra para o português e ela está disponível aqui), é um clássico do gótico sulista, um gênero literário que compartilha várias características da literatura gótica, mas está focado na região sul do Estados Unidos e nos conflitos causados pela escravidão e pelo racismo.

Nessa obra, acompanhamos Sethe, uma mulher negra que fugiu do cativeiro e cuja casa é assombrada pelo espírito da filha morta. O enredo da história não é algo tão central, pois a narrativa foca nos personagens e nas histórias de vida deles, pouco a pouco elucidando o mistério ao redor de Sethe e sua casa assombrada.

Pode não parecer por essa sinopse, e talvez não pareça assim no começo, mas Amada é uma história brutal. Nenhuma história de horror ou terror chegou a mexer tanto comigo quanto esta obra mexeu.

a deusa, a fada Toni Morrison

O motivo para isso é a forma genuína que Toni Morrison discute as consequências de traumas tão grandes quanto a desumanização da escravidão: pessoas traumatizadas carregam cicatrizes físicas e mentais que as levam a tomar atitude extremas, atitudes talvez que consideremos até más. O horror de Amada me tocou como nenhum outro porque, para mim, ele foi bastante real.

Outra discussão importante da história: essas cicatrizes passam de geração em geração. A assombração na casa de Sethe, o fantasma da filha, persegue não só a mãe, mas também os irmãos e a irmã. É uma manifestação especulativa de como o trauma sofrido por uma geração não fica apenas nessa geração. Ele persevera, passa de mãe para os filhos, a não ser que se quebre o ciclo — ou que se tenha condições de quebrar o ciclo, em primeiro lugar.

Em relação a prosa, ela pode ser meio estranha para quem está acostumado com o especulativo mais comercial, que é mais direto, mais rápido, mais cheio de ação. Como apontei mais acima, Amada é uma narrativa sem um enredo central forte, e a prosa da Toni Morrison é mais lenta e toma uma forma mais lírica.

Não chega a ser difícil de entender (bom, eu li em inglês, imagino que a minha dificuldade tenha sido isso e não a prosa em si), é só diferente. É necessário algum tempo para se habituar a ela, caso você seja que nem eu, um leitor mais acostumado com uma prosa com menos floreios líricos. Percebi depois de ler que Octavia E. Butler, por exemplo, ainda tem um estilo bem direto.

Outra característica bem proeminente nesse livro é a quantidade de informações sobre os personagens. Naturalmente, tem bastante informação, e, à princípio, pode parecer certa perda de tempo, mas tudo o que consta no texto serve para construir os personagens principais e os secundários, e preparar a cena para a história e suas revelações. De novo, é questão de costume. Algumas obras mais antigas tendem a ser assim; Amada não é tão antiga, porém nesse quesito o estilo é semelhante. O gótico sulista no geral tem essa característica (O Sol É Para Todos, outra obra do gênero, também tem dessas).

Amada é uma obra que traz discussões muito importantes, e ainda muito relevantes para se entender o racismo e a realidade das pessoas negras, com uma prosa e um ritmo bem pensados. É brutal, é tocante, e é necessário.

E não, não tenho ressalvas a fazer dessa vez porque essa farofeira aqui ainda está tentando processar tudo que leu.

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