Cangaço Overdrive – Cangaço e Seca (Com Bom Senso)

Cangaço Overdrive, obra finalista do prêmio Jabuti para o ano de 2019, é uma história em quadrinhos, produzida em conjunto por Zé Wellington e Walter Geovani, e foi publicada pela Editora Draco no ano de 2018 (pode ser adquirida aqui).

Olha, normalmente não falo de quadrinhos por aqui, mas tive que abrir uma exceção.

Cangaço Overdrive se passa em um Ceará futurista, cyberpunk. Em um cenário de seca, um cangaceiro volta à vida e deve resolver um assunto pendente com seu nemêsis.

Acho que é possível perceber quais seriam minhas preocupações com uma obra acerca dessa temática: já falei em outras mídias meu desgosto por literatura que reduz cenários nordestinos a apenas cangaço e seca (como explicitado neste vídeo pistola).

Interessantemente, Cangaço Overdrive é uma história em torno desses dois pontos da cultura nordestina, abordando-os com sensibilidade e o mínimo de bom senso.

Por exemplo, apesar da temática da seca na obra, ela não é ambientada em um sertão árido. O cenário é, em sua maior parte, urbanizado, condizendo com o processo de urbanização que se alastra em todo o Ceará. Sempre haverá o fiel jegue, mas as motos se tornaram uma figura onipresente. 

O worldbuilding foi sensato em apresentar uma solução para o problema da seca, o que também condiz com o fato de que em 2019 já existem diversas soluções para a questão – não o resolvem de todo, mas permitiram o surgimento de vários centros urbanos por todo o estado.

Capa da obra

Achei interessante outro assunto que surge durante a história, a tal da privatização da água, inserido de maneira orgânica com o enredo e o próprio cenário, sem cair no erro do tom panfletário e/ou didático. Adoro uma crítica social, como sabem, mas gosto ainda mais se o leitor fica livre para refletir a questão.

E sobre o cangaço: não, não há pessoas aleatoriamente usando gibão de couro no Ceará cyberpunk de Cangaço Overdrive. A parte do cangaço de fato está atrelada ao protagonista, um cangaceiro que retornou à vida, graças ao avanço da tecnologia, muitas décadas depois de sua morte.

Mais uma vez, a obra foi bastante sensível ao não romantizar a figura do cangaceiro. Isto contribuiu para a construção do protagonista; os quadrinhos são curtinhos e não há tanto espaço para um personagem muito complexo, mas o pouco espaço foi muito bem aproveitado para elaborar um herói mais tridimensional, com defeitos significativos apesar de suas boas intenções.

O último comentário a fazer é, sem dúvida a representatividade. Confesso que não estava esperando tecer esse elogio sobre Cangaço Overdrive: sim, a história é bem representativa com seus personagens secundários, que possuem papeis vitais para o desenrolar da trama (e não morrem, o que é sempre um bônus).

No geral, essa leitura foi uma surpresa muito agradável. Não sou muito afeita a quadrinhos, e mesmo com minha resistência para esse formato de mídia, não pude deixar de curtir.

Porém, antes de ir embora… Não poderia deixar de fazer uma ressalva. Como ela é spoiler, vou deixar escondidinha para quem quiser ver. Spoiler do spoiler: Cangaço Overdrive conta com o malfadado tropo da mulher na geladeira.

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