Ritos de Passagem – A Saga de Akin

Ritos de Passagem, escrito por Octavia E. Butler, publicado no Brasil pela Editora Morro Branco em 2019, e traduzido por Heci Regina Candiani, é o segundo romance da série Xenogênese (tem para comprar aqui). Já comentei sobre o primeiro romance, Despertar, e você pode ler o que achei aqui.

Mas, para quem está com preguiça de ler o outro post antes de continuar a leitura deste, vou resumir: em Despertar, a protagonista é Lilith, uma mulher humana resgatada por uma espécie alienígena. Esta espécie alienígena, os Oankali, tinha planos para a humanidade. Precisavam se reproduzir com os humanos para garantir a sobrevivência de sua própria espécie; Lilith foi a primeira cobaia, mesmo sem ter aceitado ser parte de tal experimento.

Despertar propõe diversas questões em relação a ideia de consentimento. Afinal, os Oankali podem manipular humanos a aceitar qualquer pedido. Eles são heróis ou vilões? Vão salvar a humanidade ou destruí-la?

Esses questionamentos continuam em Ritos de Passagem. O protagonista do romance é Akin, filho de Lilith, parte Humano, parte Oankali. A história começa com seu nascimento, anos após os acontecimentos de Despertar; a narrativa então pode observar as repercussões desses eventos, enquanto acompanha o crescimento de Akin.

Capa da obra

De longe, o ponto mais alto de Ritos de Passagem é a delicadeza com a qual a narrativa retrata as consequências do que se passou no primeiro romance. Não existem heróis nem vilões: existem duas espécies sencientes tentando lidar com suas diferenças, se machucando no processo. Lilith ama seus parceiros Oankali, mas ainda assim sofre as consequências de não poder ser livre para tomar suas decisões. A humanidade como todo é violenta, entretanto lida com as consequências devastadoras da infertilidade – a não ser que aceitassem acasalar com os Oankali.

A mesma delicadeza se estende para a trajetória de Akin. Ele é Humano e Oankali; ambos e nenhum dos dois. A situação é inusitada, porque de toda as crianças híbridas, ele é o que se parece mais com uma criança humana. Assim, julgam-no a pessoa ideal para viver entre os humanos rebeldes e estudá-los mais de perto. Akin não sai ileso desse processo, pois era apenas um bebê quando tal missão lhe foi incumbida, sem seu conhecimento e muito menos consentimento.

A perspectiva única de Akin permite que ele encontre uma solução para a grande questão da saga até então: existe outra maneira de salvar a Humanidade?

De modo geral, as questões morais e éticas propostas pela história se encaixam muito bem na trama. Ritos de Passagem faz o leitor pensar sem cair no erro de discursar ou explicar; isso devido ao cuidado de mostrar uma boa parte das implicações e reverberações dos eventos ocorridos. Nada acontece que os personagens e o cenário não saiam modificados de alguma forma.  

Outro ponto forte do romance é a prosa suave, com bom ritmo e boas descrições. Os Oankali e sua nave são bem fora do lugar comum, então descrevê-los bem representa um enorme desafio, que Octavia dominou sem problemas.

Entretanto, Ritos de Passagem não conseguiu introduzir as informações do romance anterior de maneira tão eficiente. A narrativa o faz na forma de diálogos, alguns dos quais não soam muito naturais para os personagens.

O romance não aborda tão bem certas questões de gênero. Há um determinismo na maneira como gênero humano é explorado pela história. Macho e fêmea. Seres humanos trans e não-binários não aparecem em momento algum; atração entre humanos de mesmo gênero também não é abordada, e faria muito sentido que fosse, em contra ponto aos laços Oankali que visam apenas o acasalamento, apesar de serem afetivos. De todo modo, o saldo para Ritos de Passagem é muito mais positivo que negativo, e a série Xenogênese como um todo se tornou uma das minhas sagas preferidas.

Digue