Black No More – Uma Sátira de Ficção Científica

Black No More, escrito por George Schuyler e publicado pela primeira vez em 1931, é uma sátira de ficção científica, onde acompanhamos o que acontece com a América após o surgimento de um procedimento que transforma pessoas negras em pessoas brancas. A narrativa se centra no protagonista Matthew Fisher, um homem negro e trambiqueiro que, após passar pelo procedimento, se infiltra nos movimentos de pureza racial dos Estados Unidos.

Acho que o aspecto mais interessante de Black No More é que é uma sátira que não poupa absolutamente ninguém. Claro, a história vai explorar as reações dos supremacistas brancos e da comunidade branca no geral, mas não se exime de explorar a resposta da comunidade negra e seus líderes. Além de criticar os brancos, a obra critica igualmente certas atitudes por parte das pessoas negras.

Entretanto, apesar de altamente satírica, a obra lida com essas questões com sensibilidade; é muito fácil uma crítica a certas atitudes de algumas pessoas negras se transformar em perseguição, linchamento e em crítica a negritude no geral, como se todas as pessoas negras fossem culpadas pelas atitudes de uma pessoa só. Black No More não poupa ninguém, mas não cai num erro muito comum da “sátira” que é bater em quem já está por baixo.

Outro aspecto interessantíssimo dessa narrativa é a forte crítica ao capitalismo. A história delineia de maneira muito clara a forma como o capitalismo e a supremacia branca andam de mãos dadas, uma conversa que não se vê com frequência suficiente, a meu ver. Igualmente, a obra explora como certas pessoas negras podem agir de maneira contrária aos interesses da coletividade pelo ganho material próprio. O capitalismo é um forte agente em Black No More, e não podia deixar de ser.

Capa da obra

A obra também não deixa nada a desejar no quesito forma. A ambientação, a oralidade dos personagens, tudo isso forma uma forte estética que situa muito bem o leitor geográfica e cronologicamente. Ao ler a história, andamos pelas ruas do Harlem no início do século XX.

Ainda em questão de estética, um aspecto me chamou bastante a atenção: Black No More se utiliza da controversa marcação de sotaque pela grafia. Mas, interessantemente, essa marcação ocorre de maneira majoritária para personagens brancos e ricos. Nisso, a sátira também impera: são os personagens brancos que tem a fala desviada do “comum” e do “normal”, enquanto os personagens negros na maior parte têm suas falas intocadas. Temos uma inversão de papéis que complementa e muito o tom bem humorado da narrativa.

Entretanto, a narrativa peca em uma coisa: a falta de mulheres negras. Elas são personagens minoritários, de fundo, rechaçadas pelos personagens brancos E pelos personagens negros. Esse aspecto da narrativa não me pareceu de fato pensado ou intencional. É sabido que as mulheres negras sofrem uma carga de opressões e preterimento amplificada pelo machismo e o racismo: Black No More centra nas experiências dos homens negros, e as mulheres ficam de escanteio, e não me pareceu que essa era uma crítica que a história tinha a intenção de tecer, embora fosse muito necessária.

Apesar dessa falha, o livro se provou ser uma leitura agradável, rápida, divertida e provocativa, perfeita para os leitores que curtem histórias com temáticas voltadas para questões da vida real e que curtem histórias especulativas mais “pé no chão”: fora o procedimento do Dr. Crookman, o resto da tecnologia da obra é o esperado da época. Esse livro se tornou um dos meus livros favoritos.

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